segunda-feira, 30 de abril de 2018

Negociado sobre o Legislado

O problema da primazia do negociado sobre o legislado no cenário de fragilização dos sindicatos: iminente desequilíbrio.


A normatividade heterônoma, como qualquer conglomerado de normas, tem sua relevância no âmbito justrabalhista, embora em dinâmica peculiar. Resguardam, sobretudo, normas de indisponibilidade absoluta e um patamar mínimo civilizatório da disponibilidade dos demais direitos.
Entretanto, nem só de leis se faz o direito do trabalho. Uma de suas peculiaridades, a autonormatização, é de suma importância para sua caracterização. A negociação coletiva, por meio dos instrumentos de negociação coletiva, ganha destaque. Ora, é inegável que as reivindicações sindicais e negociações coletivas sempre contribuíram para a evolução de direitos trabalhistas e para atender a melhoria da condição social dos trabalhadores conforme disposto no artigo 7º, caput, da Constituição Federal.
Não obstante, um dos principais pontos da Reforma abre justamente a possibilidade para que negociações entre trabalhadores e empresas se sobreponham à legislação trabalhista, o chamado “acordado sobre o legislado”. Poderão ser negociados à revelia da lei o parcelamento de férias, a jornada de trabalho, a redução de salário e o banco de horas.
E não apenas os poderes Legislativo e Executivo sinalizaram o acato de tais mudanças, tendo o próprio Excelso Supremo Tribunal Federal, em acórdão da lavra do Ministro Teori Zavascki, no Recurso Extraordinário 895.759, reconhecido a possibilidade, através de acordo ou convenção coletiva, de flexibilização do direito do trabalhador de receber o pagamento pelas horas in itinere estabelecidas no § 2º do art. 58 da CLT.
Ocorre que eventual prevalência do negociado sobre o legislado certamente não se restringirá a uma ou outra situação concreta, sendo tendência claramente impulsora da própria reforma trabalhista como um todo, sem quaisquer observâncias de limites como a indisponibilidade de direitos e princípios como o da adequação setorial negociada e vedação ao retrocesso. Em síntese, não se operará a flexibilização de um ou outro direito trabalhista individual, abrindo-se inúmeras portas a outras modificações. Afora a tendência, outros problemas se constatam.
Os sindicatos, como se sabe, enquanto sujeitos coletivos, atuam especialmente no âmbito dessas negociações coletivas. A própria Constituição Federal, positivando o que se chama de princípio da interveniência sindical obrigatória, prevê, na altura de seu artigo 8, inciso VI, que é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas do trabalho. Quanto a este sujeito coletivo, discorre Maurício Godinho Delgado:
“Os sujeitos do Direito Coletivo são, portanto, essencialmente os sindicatos, embora também os empregadores possam ocupar essa posição, mesmo que agindo de modo isolado. Tal diferenciação ocorre porque os trabalhadores somente ganham corpo, estrutura e potência de ser coletivo por intermédio de suas organizações associativas de caráter profissional, no caso, os sindicatos”[9] .
O impasse então se dá a partir do momento em que o sindicato, principal sujeito da negociação coletiva e merecedor de tratamento constitucional diferenciado, encontra-se em profunda crise existencial de modo a questionar-se a efetividade de seu próprio papel quando das negociações. Essa incapacidade dos sindicatos, aliás, muito atesta a baixa concretude de um dos pressupostos de qualquer ato negocial: a comutatividade/equivalência dos negociantes.
Elevada a princípio, e muito pouco concretizada, a equivalência dos Contratantes Coletivos, também conhecida como equilíbrio e comutatividade nas negociações coletivas, postula o reconhecimento de um estatuto sociojurídico semelhante a ambos os contratantes coletivos (o obreiro e o empresarial).[10]  A mínima concretude da norma principiológica muito reflete as peculiaridades da própria estrutura social brasileira. Assim já discorreu Rodrigues Pinto:
“o caminho da negociação parece o mais indicado, senão o único, em condições de frutificar, para o equilíbrio das relações trabalhistas, do qual depende, crescentemente o equilíbrio social de todo o mundo[11]
Ora, deve então haver uma equidade material entre os sujeitos coletivos. E tal assertiva não deve restringir-se à uma análise do objeto da negociação, ou seja, por uma mera ponderação dos efeitos do negociado. A dita igualdade substancial deve permear os próprios sujeitos coletivos, de modo que possam exercer, em vias de igualdade, suas prerrogativas e estabelecer seus interesses.
O equilíbrio, todavia, é muito difícil de ser alcançado, uma vez que, ao contrário da classe obreira, os sujeitos (coletivos ou individuais) vinculados à categoria econômica têm muito mais aptidão para impactar e atuar em prol de seus interesses. É o que Delgado menciona aclarando a necessidade do agir coletivo por parte da classe obreira:
“Em contraponto a isso, os empregadores, regra geral, já se definem como empresários, organizadores dos meios, instrumentos e métodos de produção, logo são seres com aptidão natural de produzir atos coletivos em sua dinâmica regular de existência no mercado econômico e laborativo.” – [12]
Ora, num cenário em que um dos sujeitos coletivos encontra-se desnivelado por decorrência dos inúmeros obstáculos que se impõem ao exercício de suas mais diversas prerrogativas e funções, resta a conclusão pela ineficácia do comando jurídico instigador da Equivalência dos Contratantes e, por conseguinte, a inaptidão para a atuação no âmbito das negociações coletivas, na contramão da previsão da obrigatoriedade de sua intervenção.
Todo o exposto torna um verdadeiro dilema a questão sindical.
[9]  DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15 Edição. São Paulo : LTr, 2016, p. 1468.
[10]  Ob. Cit., p. 1458.
[11]  PINTO, José Augusto Rodrigues, “Tratado de Direito Material do Trabalho”, São Paulo: LTr, 1ª edição, 2007, p. 762.
[12]  DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15 Edição. São Paulo : LTr, 2016, p. 1468.
Fonte: Jornal Contábil
Diretoria Executiva da FEEB-PB

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